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's e crónicas informáticas...

sábado, outubro 29, 2005

Nas "apples" também nascem "blogs"

"Digo-lhe que comete um erro, que em tal data nem se sabia ainda o que eram blogs. Mau! - resmunga ele entre dentes - Assim não faz sentido, um blog não é um livro? Explico-lhe que pode ser um livro, um diário ou até uma manta de retalhos daquilo que se queira. Que pode ser constituído apenas por palavras incoerentes, ou, e rio-me, apenas colocar lá o código do multibanco. Muito inteligente! - Troça irritada, a minha personagem de expressão azul glaciar."


Dou voltas à cabeça de forma a encontrar uma personagem que encarne em condições o meu eu "bloguiano". Um eu que seja mais do que apenas eu. Que seja eu e não o seja. Um eu que possa ser um "travesti" da alma sem ser forçado, errado, estranho ou até que faça pouco sentido. Que num dia use jeans, e no outro se vista a rigor. Que possa ser mulher ou homem. Que possa ser um gato ou apenas notícia numa página de jornal.

O blog, o meu blog, nasceu há um ano, altura de início de muitos blogs. Era a minha contribuição para a comunidade dos blogs, numa forma de livro virtual. Mas ficou parado no tempo, com apenas três ou quatro frases.
Recriminava-me sempre, por não o ter principiado antes. Tenho a terrível mania de achar, que nisto de escrever ou escrevinhar - sim, mesmo que sejam apenas banalidades - deve existir princípio, meio e fim. Detesto os calendário, recebidos a meio do ano, que ficam arrumados, intocados, em algum canto.

A minha personagem principal não concorda comigo - aliás, raramente concorda. Mostra-me um velho calendário do ano de 68 – encontrado em que bancada da Feira da Ladra? - e rabisca no dia 20 do mês de Julho: Escrever um blog. - Já está, já o iniciaste! - grita-me animado, e depois pisca-me um olho...

Digo-lhe que comete um erro, que em tal data nem se sabia ainda o que eram blogs. Mau! - resmunga ele entre dentes - Assim não faz sentido, um blog não é um livro? Explico-lhe que pode ser um livro, um diário ou até uma manta de retalhos daquilo que se queira. Que pode ser constituído apenas por palavras incoerentes, ou, e rio-me, apenas colocar lá o código do multibanco. Muito inteligente! - Troça irritada, a minha personagem de expressão azul glaciar.

Não será inteligente, mas o blog é meu e o computador em que te imagino também é meu! - Sempre fui teimosa...

Não gosto de Macs! Computadores para meninas, branquinhos, redondinhos! - reage com um sorriso sarcástico. E, reparo, tem um sorriso idêntico ao meu, excepto na ironia. Não gostas do eMac - fervo de indignação! - e dizes-mo assim, sem pensar duas vezes. Sabias que outros o idolatram? Os Macs são máquinas poderosas, dignas de disputas verbais numa mesa de café. E tu, só porque não gostas de conversas tolas de café, decides que também não gostas do meu computador!

O tom irónico ainda ecoa nos meus pensamentos - “Computadores para meninas, branquinhos, redondinhos!”…

Mas é isso mesmo que sou! Um pensamento feminino! Por isso te transformei na minha personagem principal. Porquê? - Questionas-me desconfiado, tal como a neta que leva a cesta à avó e encontra, por vez desta, o lobo. Porquê? - Insistia ela perante o olhar insidioso do lobo. Respondo-te, tal como o lobo na sua gula, que é para te ver, ouvir e cheirar melhor... E acrescento, para entender-te, e até, recriar-te melhor. Conheço o ser humano no seu todo, mas não a ti, igual a mim, apenas diferindo em género. Arre! Cada dia que passa, tornas-te mais ininteligível!

Não necessitaria de caracteres inseridos num blog para te analisar, mas fazê-lo assim, diverte-me e facilita-me o acesso a comentários de terceiros. Transformo-te na minha tese de passagem à meia-idade. E um dia destes, quando eu tiver a percepção real de quem és, poderás continuar a exibir esse teu sorriso irónico, mas garanto-te, ainda hás-de vir a gostar deste meu computador branquinho e redondinho de menina!


Posted by Raquel Vasconcelos




sexta-feira, outubro 28, 2005

Um projecto é para toda a vida

"Desde esses quinze anos bem garotos, mantive-me fiel à escolha que me deram de mão beijada. Mais artista menos artista, tornei-me publicitária. Repara... Não é bem artista, é publicitária. Os publicitários são eternos vendedores de ilusões."


Nunca achaste que isto de artes tivesse futuro. "Artista!" - pensaste - "Aos quinze anos vai ser artista!?" - Eu também não percebia muito bem o que era isso de escolher artes. Ou que a António Arroio também era para miúdas como eu. Mas foi assim que ficou decidido. Eu na António Arroio e tu a achares que eu ia ser artista.

Desde esses quinze anos bem garotos, mantive-me fiel à escolha que me deram de mão beijada. Mais artista menos artista, tornei-me publicitária. Repara... Não é bem artista, é publicitária. Os publicitários são eternos vendedores de ilusões.

Imagino de tudo um pouco para convencer de "a" a "z". Simulo realidades, retoco imagens e mentiras. Um pintor não inventa paisagens que não existem? Uso a mesma paleta de cores. Escolho-as perante um cliente, um "target", um "budget". É a arte misturada com um almoço ou um jantar à pressa, com uma directa ou com o silêncio da noite.

As minhas telas começam em ecrãs de dezassete polegadas e entranham-se pelo hardware dos computadores que utilizo. Vejo-as depois, impressas, por aí, nas mãos de seres anónimos que não me conhecem. Porque nem todos os publicitários aparecem em ecrãs de televisão ou em crónicas de revistas.

Procuro nas novas tecnologias, por vezes, breves instantes de paragem no tempo como quando observo um filtro novo, tantas vezes inútil, mas belo, para o Photoshop. Mas os publicitários não se fazem com filtros, fazem-se com a alma, com a intensidade com que criam ou transformam conceitos em sensações.

Também tu te deixavas seduzir pelas novas tecnologias, fez sempre parte do teu universo essa constante busca de futuro. Sei que hoje, se te mostrasse no site da Apple, o powerbook – fininho fininho - que penso adquirir, tu o prático e eu a sonhadora, teriamos algo de concreto, em comum, para além das tuas dúvidas sobre a constante mudança em que vivo. Porque um computador é algo de palpável. Mas nunca chegámos a ter tempo para falar sobre publicidade, mentiras, verdades ou powerbooks.

Hoje, dezanove de Março, fotografo-te mentalmente, escrevo um texto, faço de ti um projecto - "os publicitários são eternos vendedores de ilusões" - que sei, terei que acabar por guardar na pasta das memórias. E no entanto sorrio, um desses sorrisos que os teus genes me ensinaram. Porque tal como a realidade, também os projectos fazem sempre parte de nós, não se deitam no "trash".


Posted by Raquel Vasconcelos




segunda-feira, setembro 05, 2005

Papel mate. Brilho digital.

"Lança o iPhoto. No ecrã surgem-lhe os olhos do filho, esses olhos castanhos e risonhos. Olhos meigos que conhece tão bem, que a fitam vezes sem conta, da mesma forma que neste preciso momento. Uma fotografia bela, bem conseguida, um verdadeiro grande plano da felicidade, da inocência."


O comboio esvazia lentamente. A escuridão não permite antever as estações, somente o hábito mental da contagem dos tempos, deixa o cérebro ir adivinhando. Abre portas, fecha portas. Na carruagem restam dois companheiros de viagem, dois homens, daqueles que a noite transforma em seres amorfos. As horas galopam na alma de Mariana. É de noite que ela sente mais medo daquilo que acha que poderá nunca vir a ser. Olha através do vidro da janela… só o negro da noite… nem sabe porque repete um gesto tão sem sentido. Vinte e três horas. Iníciam-se as horas sem esperança, as horas que se escoam por entre os dedos. E Faltam tão poucas para que o ritmo diário se entranhe novamente…

A luz, mais forte do que o habitual, impede Mariana de fechar os olhos. O cansaço apático em que geralmente se encontra ao regressar a casa acaba sempre por lhe dar alguma paz. A tensão torna-se menos espessa. Mas a luminosidade incomoda-a. Um íncómodo imperceptível, que a torna mais desperta. Foi um dia complicado na agência. Demasiado cansativo, com pessoas demasiado alteradas, demasiado mimadas pelas hierarquias vigentes. Uma sexta-feira “para esquecer”.

No banco ao lado, a pasta com o iBook recorda-a contantemente o trabalho que leva para casa e que não lhe apetecia nada não ter trazido. Publicidade, essa profissão diabólica… Espera que o fim-de-semana seja mais produtivo do que foi a semana na agência. Terá certamente menos pressão. Embora seja essa mesma pressão que a faz esquecer os sons distantes, que lhe demonstram, que a vida lá fora continua, sem precisar dela.

A luz, na carruagem, baixa de intensidade. Mariana deveria ter deixado o frio do lado de fora, mas este, pareceu de alguma forma acompanhá-la até ao interior morno da carruagem. Retira o portátil da pasta. Esquece o medo dos roubos, e que a noite já só existe para disfarce da crueldade humana. Observa o iBook, e pensa que os todos os seus sonhos são tão efémeros. Reduziu os sonhos a meros desejos materiais. Uma vida profissional móvel, que levou tão pouco tempo a concretizar. Pouco mais que o telemóvel, pouco menos que a “Classe A”.

Mas o iBook é lindo… e tão efémero também... Daí a uns meses sairá outro melhor, mais rápido, mais bonito. Mais efémero ainda…

Um simples “click” numa tecla e o sistema operativo inicia-se. Fixa o azul escuro do desktop. E se olhasse para esse mesmo desktop e ele não fosse azul escuro… e estivesse lá a foto do filho? Seria ela a mesma pessoa? Nunca tinha sido muito dada a tais extravagâncias visuais. A quantidade de fotografias que espalhamos por todos os compartimentos da nossa vida, dar-nos-ão a medida exacta da falta que sentimos de alguém? Ou será, que é exactamente o oposto? Uma forma de não esquecer, que compartilhamos com esse alguém, um espaço, que em tempos foi só nosso?

Mariana tem em casa um enorme álbum de fotografias, bem organizado - como em tudo nela, como em tudo na sua existência - fotos datadas, explicadas e coladas sobre folhas grossas, pretas. A única coisa que vai contra esse catalogar metódico são os próprios instantâneos. A preto e branco, de colorido forte ou de cores desmaiadas, vêem-se os sorrisos, os risos, as lágrimas, as férias, os aniversários, os nascimentos. Momentos sobre os quais se vai construindo uma vida. Cada imagem representa um fragmento do passado que o constante folhear do álbum grava ainda mais fortemente na memória.

Percorre a dock… recorda-se vagamente que o marido andou de volta de um novo programa, para arquivo de imagem. iPhoto. Sempre foi avessa a trocar as suas velhas fotos impressas por imagens digitais, tão facilmente adulteráveis. Causa-lhe a sensação de enfrentar um qualquer conceito de destino. Ela que todos os dias, na agência, tenta manipular o querer dos outros, manipular as certezas individuais de cada um.

Lança o iPhoto. No ecrã surgem-lhe os olhos do filho, esses olhos castanhos e risonhos. Olhos meigos que conhece tão bem, que a fitam vezes sem conta, da mesma forma que neste preciso momento. Uma fotografia bela, bem conseguida, um verdadeiro grande plano da felicidade, da inocência. Mariana sorri e saboreia de seguida imagem a imagem. Revê-se grávida, revê-se no olhar do filho, revê-se junto do homem que surge a seu lado. Revê-se nesse álbum de imagens digitais. Esquecida do cansaço e das dúvidas.


Posted by Raquel Vasconcelos




quarta-feira, agosto 31, 2005

Analogias Virtuais

"Sempre se refugiou em analogias para assimilar o traçado invisível da vida - como em criança entendeu, através dos infinitos numéricos, que o seu querido céu de brilhos vários também não tinha fim."


Sente-se só. De pé, entre as paredes pontilhadas de fragmentos de vida - fotografias, recortes de revista, post-its e maquetas - repara no piscar das minúsculas luzes do modem que lhe mostram que este iniciou o seu mutismo. Não poderá durante demasiado tempo, sabe, caminhar pelo corredor - é assim que ela imagina o mundo virtual, um corredor por onde todos se passeiam, falando-se ou não, numa multidão de vozes quase sempre sem som e tantas vezes anónimas, ou quem sabe, fazer apenas fazer uma pesquisa, espreitar um blog, uma notícia…

Sente medo. Observa o velho Mac - um computador que a que o tempo roubou pressas mas que ainda ostenta orgulhosamente o logo colorido da maçã - mantém-se silencioso. Acorda-o com um toque suave no rato. Não quer ficar sozinha… Por toda a casa encontrou vestígios recentes de vazio. Um livro, um cinzeiro ou uma moldura que deixou o seu traçado no pó fino que permanece nos móveis. Cada objecto transformou-se numa peça de partilha, parte de um puzzle que nunca irá completar. Achava-se mais forte, mas o medo surgiu mascarado de noite e de sombras. Já não pode refugiar-se no corredor virtual.

Pára no tempo. Leu em criança demasiados contos de fadas, e já adulta, coleccionou do mundo real apenas o que lhe interessou. Recusou-se a catalogar o cinzento do mundo e remeteu-o desordenadamente para caixas de cartão, que mantém num sótão reservado para o que considera proibido. E um dia, abruptamente, começou também a riscar o futuro - um futuro imaginado, que em tempos se entretinha a desenhar delicadamente, como se estivesse na primeira classe a treinar o alfabeto - riscou-o com violência, até rasgar a folha. Mas riscou-o já demasiado autêntico.

Fixa o ecrã. Na vida não se fazem rascunhos, não há “maça, z”. Não se fazem updates à felicidade ou desfragmentações ao sofrimento. Hipnotizada pelos pensamentos, projecta mentalmente circunferências, vectores sem alma ou defeito que refaz na perfeição, como se fosse possível a perfeição se imitada por uma máquina. É fácil gerir a nossa mente perante um documento em branco, que em nada nos questiona. Esse vazio de cada novo documento parece despertar-nos a capacidade de recomeçar. Alguns toques no teclado e no ecrã os círculos adquirem, aleatoriamente, tonalidades e transparências suaves.

Relembra. Há um ano atrás, o primeiro disco rígido do computador morreu. Alguns gigas de tudo e de nada desapareceram. Durante dias catalogou mentalmente o que se encontrava preso no interior da peça fria e inacessível de hardware, cada fragmento de informação que nunca mais seria imagem, som ou vector. Perante a inevitável perda de toda a informação, refez os trabalhos a decorrer à data do incidente e arquivou os restantes - aqueles que mais sorrisos tinham feito surgir - na área que o cérebro dedica ao não esquecimento.

Sorri. Sempre se refugiou em analogias para assimilar o traçado invisível da vida - como em criança entendeu, através dos infinitos numéricos, que o seu querido céu de brilhos vários também não tinha fim. É agora uma máquina - um aglomerado de plásticos e hardware sem vida – que a ensina. O passado permanece, nunca desaparece no vazio. Transforma-se em fragmentos de memória.

Respira fundo. Retira finalmente todas as ligações ao modem.


Posted by Raquel Vasconcelos




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